sábado, 30 de novembro de 2013

Manequim homem


Manequim homem
De plástico branco, de humano plástico
Não é mais do que deveria ser
Menos do que gostaria, com sua máscara
E seu infinito closet

Tira sua roupa e intimidade se revela
Alvo, sempre limpo e cheirando a carro lavado

Tira ainda seus braços, suas mãos e as troca por produtos novos

Manequim homem, esconde tua face e tua vergonha
Finge-se de boneco e de homem se finge o autômato

Esse Homem manequim vive
E regurgita horrores sobre existência
Cheirando a álcool do Mendigo
Mais manequim homem que homem manequim

Mas, o Mendigo na verdade é um mendigo
Menos do que o manequim homem, menos do que homem para o Homem
E ainda menos do que o homem que não é Homem e se finge de manequim

Manequim homem vendeu muito na última Black Friday
E comprou uma dignidade que atinge velocidade mais que permitida nas rodovias
vendeu também sua dignidade e, dela, seu conceito

Agora a felicidade vem em garrafas, latas e corpos
E finais de semana e jogos e feriados e carnaval e comidas diets e plástico animado
Para Homens que querem ser manequim homens
E homens manequins de faces de razão áurea

E o Mendigo que não é Homem, nem manequim, nem sabe da razão áurea
Alucina enquanto vaga pelas ruas de cidade grande
Buscando algo no lixo e algo para não se importar.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Indiferença


"The rest is silence."
- William Shakespeare, Hamlet

"How much difference does it make?"
- Eddie Vedder, Indifference

Apagou o terceiro cigarro no cinzeiro de marfim,
Observando o pôr do Sol e a tempestade chegando
Em nuvens negras, uma atmosfera estática, tensa,
Levando as folhas secas, ressacas do último outono.

Sozinho, saboreando o amargo do café e da tarde,
A vida indiferente passa na figura de uma criança
Fugindo para um abrigo da tormenta, para casa
Vista pela perspectiva desse atento olhar sulcado

Da varanda daquela casa, viu-se três relâmpagos, 
Riscaram o céu rubro em desenhos de violência
E sons de armas e trovão anunciaram o porvir
Inclemente, a chuva lavou o pó da alma do mundo.

"Uma doce companhia", matutou esse velho homem
Na indiferença da vida que passava tão alheia
E se serviu de mais uma dose de qualquer coisa
Misturada com a doçura da torrente e da noite.

Viu cair suas lembranças uma a uma nas gotas
Que foram se desbotando em aquarela pela terra
Uma vida diluída regou tantas vidas que brotaram
E as memórias foram gravuras de uma galeria 

Os olhos sulcados, a pele curtida, os lábios
Que foram portas de amor e amargura, as mãos,
Essas que esculpiram mil formas e destruiram,
Esvaneceram lentamente livres e se perderam...

...

E a vida seguiu em passos sem tempo e destino
A madrugada foi leve e o repouso, tranquilo
A criança sonhou com um milharal e com doces
Por fim, acordou e foi mais um dia pra escola.