quarta-feira, 15 de outubro de 2014
Sobre a seca
O ar está pesado de se respirar, a visão parece embaçada. Mas, não é necessariamente uma sensação restrita a mim, ao meu ser, pois se falam pelos cantos do calor que derrete, que invade os poros, rasteja em gotas cálidas de suor e grudam na memória. As casas são evitadas em busca de conforto artificial de salas hermeticamente fechadas, dotadas de temperatura regulável, nos locais de trabalho de poucos sortudos. Leia-se também, baixo teor de umidade, fora e dentro e em qualquer lugar. A chuva, almejada, outrora criticada aos fins de semana, é somente um murmúrio baixinho no desejo esganador de alívio. Uma esperada boa notícia dita em poucas palavras-chave, como frente fria, zonas de instabilidade, vocabulário técnico de alta umidade, alta pressão, tal como o anúncio da chegada de profetas esperados por longo tempo. Por fim, não bastasse a situação eufemisticamente chamada desconfortável, dir-se-ia que não haveria condição mais adversa. Não é possível? Pouco provável talvez, mas sim, a situação piora dia-a-dia. Estamos aqui, no nosso saudoso estado de São Paulo, as vésperas do clímax de uma das piores crises hídricas já vistas por essas bandas. Enquanto escrevo, me remete a foto de uma sistema hídrico esgotado, o solo rachado pela ação da seca, por onde antes havia uma represa. Um misto de estilo Graciano Ramos em pinceladas munchianas; uma desgraça ambiental desprovida de sentido, pautada na irresponsabilidade. Não somente administrativa, pois seria fácil maquiar a situação em termos burocráticos, mas do sentido que permeia todo o fato e a forma pelo qual a realidade foi tratada: ausência de valor a vida humana, a vida animal, nosso lar. Falta de respeito ao ser humano, para o qual os senhores que ali estão nos representando deveriam zelar; Porém, zelam por algo que, talvez hiperbolizando, sempre foi a triste miséria da nossa realidade: que nada existe de mais importante que a ganância e a vontade do poder, e todas as ações que buscam essa perpetuação são válidas e validadas, justificadas pela nossa cega democracia, ignorante no sentido literal. Por fim, agora cabe a espera, a fé, as orações aos céus, em busca de nuvens cúmulos e nimbus de negros sorrisos e olhares fulgurantes. Voltados as estrelas, nossos olhos secos, nossas gargantas frágeis e a indagação dos motivos divinos, sempre tão procurados e nunca realmente encontrados, pela razão do desmoronamento do nosso lugar seguro.
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Esta é a questão que mais anda me atormentando nos últimos meses. Hoje, inclusive, li uma entrevista de um especialista em bioma e ele disse que se a situação continuar, São Paulo vai virar um grande sertão e a cidade vai parar. Parece cena de filme apocalíptico né? Eu penso na geração que vai ficar neste cenário de desolação. Penso nos meus maninhos menores, na minha sobrinha. Penso se vou querer ter uma geração saída de meu ventre. O que vai sobrar pra eles? E infelizmente isso não é algo inerente ao meu pessimismo por vezes exagerado (olha, pq tá foda viu? Tá foda ser otimista!), é algo que tristemente é capaz da maneira mais cruel possível provar ao homem o quão ele é leviano com muitas questões. Eu já fui leviana. Hoje eu penso mais nestas questões. Uma senhora no ônibus comentou que nunca poderia imaginar um cenário destes por aqui. Nós raramente achamos que pode acontecer conosco. Só começa a doer quando o caos realmente é "palpável", "sentido". Antes, nas nossas cabecinhas, era apenas um cenário de ficção, um romance apocalíptico. Agora nos perguntamos: nós merecemos isso? E dói. Como dói. Dói pensar que aquele lugar no alto das montanhas ao qual queremos nos refugiar naquelas horas torpes, não será mais um lugar seguro e tranquilo para aquietarmos a mente inquieta. Todo lugar será um caos.
ResponderExcluirUm grande abraço de uma fã do seu chá SEM bolachas.