sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Destin
Levantou e foi até a janela. Era madrugada. Despertara sem motivos e não conseguiu voltar a dormir. Ali, da janela do quarto, contemplou a cena morosa; prédios e mais prédios formavam uma textura de uma dita selva de concreto, ao passo que o seu próprio prédio se encontrava ao lado de uma reserva de mata nativa. Uma moto passava de tempos em tempos, enquanto pássaros cantavam naquela hora inadequada. A justaposição de cenários transmitia uma sensação de inquietude paradoxal. De qualquer forma, bocejou e pôs-se a fazer qualquer coisa a fim de adormecer. Afinal, eram duas horas da manhã e teria que acordar daqui a cinco horas.
Tentou adormecer, primeiramente, da forma mais comum. Deitou sua cabeça no travesseiro e ficou quieto. Mas, a irrequietude do momento era grande, então passou à missão de encontrar alguma posição confortável. De qualquer forma, as vozes dos seus pensamentos gritavam por atenção, em uma velocidade vertiginosa, sempre que tentava negá-las espaço. Passou-se uma hora. Nada. Assim, resignado, levantou-se.
Olhou ao redor, no quarto pequeno. Tinha uma escrivaninha, uma cama, um criado-mudo e um guarda-roupa pequeno. Perturbou-se com aquela disposição: ora, a escrivaninha perto da janela o incomodava havia algum tempo. Pensara em colocar na parede oposta, porém teria que deslocar o guarda-roupa para perto da janela. Estendeu-se na cama pensativo, mãos na cabeça, pensando no trabalho e no cansaço que sentia: mesmo tendo dormido, seus olhos pareciam cheios de areia. Amaldiçoou a insônia que o tomou e começou a mudança.
Primeiro, afastou o guarda-roupa até a porta, arrastando a madeira no assoalho. Madeira com madeira, um crepitar conhecido. Unha na lousa ressoando pela noite. O guarda-roupa era pesado, estava cheio. A operação levou certo tempo, sempre barulhenta, irriquieta. Ao término, sentou-se à cama para descansar.
Depois de recuperar o fôlego, retirou os objetos da escrivaninha. Colocou-os ao chão um por um: alguns livros, algumas folhas rabiscadas com traços ininteligíveis, um porta-retrato vazio. Tirou as gavetas e as empilhou ao lado. Após livra-la de seus pertences, passou a empurra-la, repetindo o ruído estridente no meio da noite. Ao longe, um cachorro latiu, o eco daquela manifestação longínqua preencheu ainda mais o espaço já ocupado pelo som do arrastar. Após certo tempo, a escrivaninha já estava onde queria, perto da janela.
Após colocar os objetos nos seus devidos lugares, livros, folhas rabiscadas, o porta-retrato, sentiu um pouco de sono. Deitou-se e tentou deixar os pensamentos se esvairem. No começo, galopavam, furiosos, fugindo do sono. Após certo tempo, fizeram um caleidoscópio de frente a seus olhos, compondo histórias. Em uma delas, tentara adormecer, mas não conseguia. Levantava-se e ia espiar pela janela, mas a noite era escura. Em outra, queixava-se que a escrivaninha e o guarda-roupa estavam desalinhados e com os lugares trocados. De tempos em tempos, despertava sobressaltado pensando ver a poeira filtrada pela luz do Sol. Logo, voltava a dormir novamente. Despertou.
Levantou e foi até a janela.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário :
Postar um comentário