segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sobriedade Mórbida


"And as I fall in the mirror on the wall
 I'm watching me scream"

- Watching me fall, The Cure

A cortina entreaberta, a luz prata que corta
A noite que toma um corpo estendido, fitando
O caos de um quarto, o entulho acumulado
Enquanto conta um tempo esquecido nas gotas
Que, insistentes, beijam as panelas sujas.

Se contorce, num bocejo quente e grudento
Enquando toma mais um gole, mais um trago forte
De coisas amargas e embriagantes, paz engarrafada.
É café? É cerveja? É prazer no trago e na fumaça...
Sopra para a lua cheia atrás dos vidros da janela.

No chão, jogados estão os sapatos, as latas,
Papéis de alguma utilidade para o mundo lá fora
Que murmura após longas horas de espera, a começar
Pelos passarinhos cantando melodias da manhã
E pelo ruído de caminhões e pessoas no corredor...

Essas canções soam como maldição para insônes
Enquanto os olhos injetados de sangue se arregalam
Querendo um descanso não engarrafado, sem pílulas...
É café? É cerveja? É prazer no gosto ocre, na língua
Enquanto abraça o travesseiro encardido e solitário.

Somam-se noites e mais horas, disformes, dissolvidas,
Um emaranhado de consciência em um verão ansioso
Enquanto a existência cai em buracos fundos de prazer
Em um toque ardente que o fez gritar de agonia,
Mas o fez chorar muito mais quando não o tinha.

O cheiro do quarto sujo remete às suas lembranças
Do tocar e do sabor líquido de sua fugidia amante
E seu desejo se confunde com o calor dos lençóis
Na esperança de encontrar aquele corpo viciante
Perdido em algum beco, em algum lugar, não alí.

Para levantar até a geladeira, mais esforço
Sobrehumano em uma subhumanidade abraçada
Em letras tatuadas na carne, na alma, coração...
É café? É cerveja? É tinta negra escorrendo de si
Enquanto procura em vão limpa-la do travesseiro.

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