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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

I


Disseram que em um dia poderiam haver quatro estações, todas seguidas e sequenciadas ou misturadas. Toda essa sensação atingiria como um soco no rosto, do qual a pior consequência seria algo como se uma brisa refrescante de menta estivesse sido soprada na face e nos lábios. Deve-se sentir isso uma vez em vida: Inferno. Relativo como a sensação de ficar sóbrio depois da ebriedade de longas noites e dias sonhando, na vigília ou nos doces braços de desconhecidos. Inferno, que não é mais que a tortura mundana, sádica e abraçada com o prazer de esquecer. E, com o risco de ser visto e julgado como piegas, em Solidão. Essa amante da loucura, senhora dos vícios, de onde partem quatro sensações das estações, seguidas e sequenciadas ou misturadas. E pode haver algo em vida que seja passível de causar tudo isso, quatro estações em um Inferno de sobriedade e ebriedade, essa Loucura? Vícios mil, pela sensação da vertigem do álcool, pela sensação de flutuar por opiáceos... 

A Paixão.

II


Por entre ruas desertas, nas madrugradas, vaguei procurando por algo que nunca soube bem o que era. Dessas caminhadas, o que trago em mim são os cheiros do verão, da dama da noite e da pimenta. Talvez, ilusões levemente misturadas e ministradas com a realidade do que é realmente a vida.

Novamente, nessa noite, embriagado vago nessa procura, nessa rua que virou uma trilha entre florestas esquecidas, de árvores retorcidas e de vagalumes solitários, onde o som de pântanos distantes parecem emitidos de dentro do meu peito. Em cadência. Um, dois, um, dois, seguido de um grande barulho gorgolejante. Agradável quando se está confortável buscando o sono, inquietante quando se cruza um caminho desconhecido.

A Lua desponta por entre as nuvens, clareando o meu caminho. Seu sorriso indaga aos viajantes, seu motivo. E as respostas de mil anos podem ser escritas em grossos volumes, em mil bíblias. Quanto amor esse astro pôde abençoar e quanto sangue pôde tingir seus lábios que ainda me fitam, indagando? Outra pergunta sem resposta, mais palavras lançadas para um vazio que nunca será preenchido. A pergunta errada para o ser errado com o intuito errado.

O caminho se torna um lamaçal. E o sopro noturno aos poucos aumenta sua intensidade, sussurrando baixinho, rente ao meu ouvido... Algo como um nunca mais, algo como um nunca de algum tipo desconhecido. E, fito o horizonte que se perde em um negrume de galhos e mato fechado, algo que parece uma pálida luz. Tênue, de aparência amarelada, que dança de um lado para o outro. Inferno, talvez também o medo seja teu outro nome e é isso que me assombra. O mundo suspira alto quando paro, trêmulo, observando tal aparição, enquanto as nuvens escondem um último vislumbre do macabro sorriso lunar. Um adeus.

Algo como mil olhos me observam quanto retomo minha caminhada em passos hesitantes, na mesma cadência de pântano de outrora. Um, dois, um, dois, e o barulho gorgolejante. Sigo na direção de onde antes havia a presença de luz amarela. Lá, as copas das árvores passam a emitir um brilho púrpura, dos céus que anunciam grandes tempestades. E, subitamente, uma clareira pode ser vista.

III


Um grito em uma noite fria e solitária poderia ajudar a definir o Medo. Ser presente, que toma forma corpórea na companhia dessa velha amiga, a Solidão. Medo primal acompanha a criança tomando-a pela mão quando todas as luzes se apagam; Porém, deixa-a seguir alegremente pelas frestas de uma janela de um edifício, em sonhos de voar. 

No decorrer da vida, infinitos medos vão se unindo ao ser, se agarrando como diabretes, gárgulas nos ombros, em escárnio da própria vida que vai passando, tal regato de uma estação chuvosa em terra árida. Eles sussurram nos pesadelos e durante a rotina diária. Um medo do juízo, um medo do Inferno, um medo de viver por merecer posteriormente esse mesmo Inferno. Medo de pestes negras, do escuro, da fome, da miséria, do mundo e, por fim, do próprio medo. Acompanhado da ansiedade de viver por algo que realmente não se sabe, na indagação sem sentido e sem respostas. E acumulando coisas para preencher cada buraco de existência. 

Ansiedade, o suor frio que escorre freneticamente pelas têmporas, pelas mãos, enquanto a boca seca e o corpo se contorce. E irracionalmente, como um animal acuado, aquele grito entalado da noite quente e solitária anuncia o Medo pelo mundo. E, de todos, o Medo da Solidão é o mais pernicioso. Essa senhora do Medo, da Loucura e dos Vícios. Mas, nos finais, quando somos novamente crianças, ela é única e sombria companhia.

O Medo.

IV


Estendendo por toda essa clareira, um pequeno cemitério circundando uma igreja pequena, dos quais somente os contornos podem ser vistos, mas a essência pode ser ao longe sentida. Um arrepio como gelo lentamente escorrendo pela espinha. Na Solidão, essa senhora das ilusões, o tempo deixa de existir, bem como os sentidos são embotados. Amigos são ameaças que perseguem, clamando nomes em vão. E nesse lugar de eterno repouso, formas de sonhos são ameaças distintas, no delírio ébrio da loucura.

O céu tinto prenuncia a tempestade, com dedos em riste, apontando para si mesmo. Sigo desolado por entre o caminho que leva à capela, enquanto morcegos espantados fogem ao barulho da canção das nuvens. E meu coração entoa ainda mais forte e rápido seu descompasso. Um, dois, um, dois, três e uma pausa. E sei que, de alguma forma, encontrarei o que procuro dentro de decrépita construção.

No cemitério que aos poucos toma meu caminho, sinto um poder que toca todo o meu corpo. São mãos ávidas pela vida que há muito não ousou visitá-lo. Sinto ainda que os mortos, antes repousando em alguma paz, ou a dissimulando, lentamente acordam e se contorcem sob a terra. Sinto-os, movendo seus pequenos ossos sob minha pele, querendo-a para si. E leio os nomes que estão desgastados pelo tempo, porém não diviso seu significado. Percebo somente a mesma combinação, a mesma sequência, o mesmo poema em todas as lápides. Enquanto isso, os olhos de corujas me fitam, brilhando pela noite, e os grilos continuam suas canções.

V


Sinto que as palavras perdem seu significado facilmente. Mais ainda, que o próprio significado deixa de existir. Ora, por entre notas de violinos que soam ao mesmo tempo eróticas e fúnebres, logo, disso tudo, o que existe realmente é o nada. A sequência da sensação de existência, de memórias que são tão fugidias, de um passado que é facilmente esquecido, implicaria a existência propriamente dita. E do que sou, sei que não sou mais e dissolvo tudo isso em uma pintura de uma Dança Macabra de seres que fui, que a tomo e a chamo pelo nome que me foi dado, esse também, sem significado. Desse emaranhado de significação, o que resta verdadeiro é a Morte. Essa que ocorre a cada segundo dentro de mim, do que supostamente sou. E o Renascimento, de algo que aparenta ser novo, eu. Eu que não existo e que encontrarei a não existência. 

Alas! Maldito ser que foi dotado de tanta ilusão e símbolos, porém só destrói a si mesmo. Abraça falsos mandamentos, abraça a Culpa, a Vergonha, mas esquece do que realmente importa, a Finitude. Segue cego por falsos caminhos de felicidade, enquanto a verdadeira essência está no Amor, amor pela Finitude. E cascatas de enxofre queimam suas pernas enquanto toma uma grande e pesada escultura de madeira cruzada em suas costas e esquece o que realmente foi dito e o que realmente é. Foge da Morte, associada com o Mal, e não percebe que morre e renasce todos os dias. E assim será até a Morte derradeira.

A Morte.

VI


A chuva vem, impiedosa, lavando meu corpo para algum estranho sacrífico. Ponho-me a correr e encontro a porta da capela. Seus contornos e desenhos dos veios de madeira antiga formam seres sendo jogadas ao fogo, de pesadelos de bruxas e sonhos eróticos de inquisitores. E, sem mais, me agarro ao trinco enferrujado e o puxo com toda a força que ainda me resta. 

Nada.

Escuto na escuridão e na tempestade que segue em minhas costas, barulhos de seres que parecem se arrastar em minha direção. São como lesmas, pulsando quentes, lentamente na chuva que se torna púrpura, de um vinho sagrado conspurcado. Ácida, não mais cheio de desejo, mas de vinagre. E os ruídos aquosos se aproximam, estão cada vez mais perto, querendo-me.

Ponho-me a esmurrar as duras portas, com toda a força, minha vontade. E grito com o Medo desse desconhecido que se aproxima impiedosamente. Minhas lágrimas se misturam às lágrimas ocres do céu, enquanto ainda tento em vão adentrar um chão que me parece sagrado. Alas! Santuário! Santuário! Santuário! Ainda buscando algo e fugindo de algo desconhecido, esse meu andar, esse meu caminho, meu destino, minha vida. 

Sinto as coisas rastejarem pelas minhas pernas e lentamente me tomarem. Não olho, não consigo tal o meu terror, enquanto vou perdendo a sensação do meu ser, do meu eu. 

Embriagado, estou embriagado e flutuo. Rompo em algum êxtase improvável e inominável, sem final, e...

VII


Paixão, Medo, Morte. Pesadas penas que são veladas, silêncio consentido de sacerdotes e sacerdotisas, que se entreolham atrevidamente. Sabem o significado, amam o significado e se amam. O eu, esse que é uma ilusão, evita olhar o Destino no fundo dos seus olhos impiedosos. Mas, não percebe que, nesse mesmo olhar, existe algo a mais, algo que é Vida e Alívio. Sopro refrescante de menta e vasos de água de montanhas em dias de ranger de dentes. E não veem que morrem todos os dias, todos os segundos, toda tentativa de domar o Tempo, e que a Esperança está justamente em ressurgir no instante seguinte.

Fênix, queima-me em seu êxtase e libera minhas cinzas para chorar o canto de um garoto inocente ou machucado. Queima esse coração que não percebe que o Amor é a própria Vida, sem cargas inúteis que devem ser levadas pelos vales, pelas montanhas, oceanos. E que a Vida e a Morte são faces de uma mesma túnica que vestimos, avessos, mas indispensáveis. O Renascimento é um simples trocar de túnicas sutilmente semelhantes. E a Esperança é seu alimento.

O Renascimento.