terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Um deserto


"Je crois entendre encore
Caché sous les palmiers
Sa voix tendre et sonore
Comme un chant de ramiers."

- Bizet.


Eu vago pelo deserto vago
E meu olhar seco se perde
Por entre as dunas e o céu
E a ilusão dum oásis verde.

Vago até as pernas sem forças
Se dobrarem sobre si mesmas,
E meus braços tomarem a areia
Que tomou a forma de um poema.

Sim! Aqueles versos soprados!
Essas linhas assim escritas
Embora sejam secas e simples
Também são belas e malditas!

Em meu êxtase de morte sóbria
Da companhia sisuda d'abutres,
Ouço além do esgar do destino
O sino dum cais alhures.

Eis que a alma de um navio
Desponta na lenta e sinuosa
Tarde de um veraneio de dor
Declamando canções e trovas.

Um triste capitão em sua proa
Solitário, um lobo distante,
Uiva somente esse lamurio:
"Onde está meu amor, aonde?"

Alas! Gaivotas negras reluzem
Sob o astro inclemente no céu.
"Senhor", soa minha voz fraca
"Será minha fortuna, teu réu?".

Senhor de negras barbas segue
Como surdo, como cego, como alma,
Em seus olhos em devaneio se lê
Sobre o amor que assim declama:

"Onde está meu amor, aonde?
 Lá, gatos são leões e dizem
 Promessas de vidas passadas
 Que perdi em meus olhos tristes."

"Onde está meu amor, aonde?
 Adocei minha alma na tua
 E o vício desse teu ópio
 Me leva a dor e a loucura"

O sopro que percorre o peito
Esvai lentamente ante a visão
De negras gaivotas e sinos,
Na canção azul desse capitão.

Congela meus ossos finos, ó calor!
Que minh'alma arda no teu olhar
Lançado em paz, agora e nunca,
Para o navio, a mim, ao mar.

Arrepia-me em notas dissonantes
De êxtase divino, de um abraço,
Do amor pelo fim e pela lua,
E pelo que é dor, me satisfaço.

Rasga minhas vestes e vergonha,
E me tome na paz desse fim.
Que minha escuridão seja santa
E imortal do odor do alecrim.

E acordo com um forte gosto
Do sangue de minha hecatombe.
Vago pelas dunas, entoando:
"Onde está meu amor, aonde?"

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